Ser o maior treinador de um clube que contou com uma das cabeças mais inovadoras na história do futebol não é tarefa fácil. Em determinado momento, Arséne Wenger ficou muito perto de alcançar isso.
No final das contas, não conseguiu por uma combinação de dois fatores principais: mas ter chegado a este patamar já é um atestado de sua gigante importância e relevância para o esporte.
Não há dúvidas de que o francês, que chegou em 1996 carimbando a faixa dos então campeões ingleses, Blackburn, foi o maior treinador do Arsenal no que chamamos de era moderna do futebol.
Foram 11 troféus conquistados, sendo três títulos da Premier League – um deles, em 2004, invicto e que depois estipularia o recorde de 49 jogos de invencibilidade que perdura até hoje.
Comemorações do título 'invencível' em 2004
Mais do que resultados expressivos, no entanto, o francês mudou a forma de jogar de um time estigmatizado por ter um futebol feio. Virou um dos ícones dentre os treinadores que representam o jogo bonito – inspirando até mesmo nomes como Pep Guardiola.
Ao final de sua primeira década no Arsenal, a impressão é de que Wenger superaria até mesmo a mítica figura de Herbert Chapman. Um nome cuja importância transcende até mesmo o clube londrino, já que foi o responsável pela criação do sistema que dominaria o futebol de sua época, sendo usado por quase quatro décadas.
Chapman soube ler como ninguém a mudança na regra do impedimento, que diminuía de três para dois o número de oponentes necessários para configurar a posição irregular: oficializou a figura do terceiro zagueiro no esquema tático que rodou o mundo como se fosse uma verdade religiosa: o WM.
Herbert Chapman não mudou apenas o patamar do Arsenal no futebol, transformando o time de Londres em um clube realmente grande ao conquistar os primeiros títulos ingleses da instituição. Mudou, dentre outras coisas, o uniforme, que passou a ter mangas brancas para ajudar os jogadores a se identificarem com facilidade maior por causa da visão periférica.
Mas principalmente, transformou a cultura do clube. Assim como fez Wenger, transformando, décadas depois, jogadores em atletas. Atletas na acepção da palavra.
O grande problema, que difere Wenger e Chapman dentro de suas narrativas como treinadores do Arsenal, está no roteiro tomado por cada um. Se a primeira metade do francês foi genial, a segunda foi tão melancólica a ponto de criar campanhas pedindo a sua saída.
Não apenas por marcarem suas maiores derrotas [8 a 2 para o Man.Utd em 2011 e 6 a 0 para o Chelsea em 2014], mas principalmente porque as vitórias foram diminuindo: 65% de seus títulos conquistados vieram nos seus primeiros 10 anos no comando, assim como os três triunfos na Premier League chegaram no espaço inicial de oito temporadas.
O maior campeão da FA Cup na história [7 troféus] também ficou perto do feito que o colocaria no patamar mais alto: a Champions League, que bateu na trave em 2006. Para Wenger, a passagem do tempo parece ter levado o tamanho ainda maior que o seu Arsenal poderia ter alcançado. E olha que os feitos já foram espetaculares.
Só que Chapman é, ainda, o maior treinador da história do Arsenal não apenas por tudo o que fez e representou. Mas por ter finalizado o seu roteiro de forma épica, com a expectativa de sonhos no horizonte.
Em janeiro de 1934, mesmo gripado, insistiu para ver um jogo do Sheffield, que seria o próximo adversário dos Gunners. O treinador pegou uma febre, e desafiando ordens médicas ainda insistiu para ver o seu time B em ação. Dias depois, uma pneumonia acabou com sua vida aos 56 anos.
Uma tragédia, um evento traumático. Mas daqueles que mexem com os brios de jogadores e torcida. O legado do Arsenal como um gigante do futebol inglês continuou mesmo após o falecimento de Chapman: o clube conquistou o título naquela temporada e na outra. Seguia tão pesado como nunca.
O que será do Arsenal no futuro, ainda não se sabe. Mas a expectativa geral, hoje, não é tão otimista quando poderia ser. Wenger merece todas as homenagens pelo que fez para o futebol inglês e, principalmente, pelos Gunners... mas a sua despedida tem um clima melancólico que o impede de ser maior do que um dos maiores.