Tite passou boa parte de fevereiro acompanhando jogos e treinos na Alemanha, França, Itália e Espanha. Em Sevilha, no último trecho da viagem pela Europa, o treinador da seleção brasileira concedeu uma entrevista exclusiva ao jornal português 'O Jogo'.
Falou da boa fase no novo desafio profissional, de Neymar a Gabriel Jesus, de Ganso a Elias, de Guardiola a Ancelotti, e muito mais.
Messi é perfeito?
"Perfeição não existe. Vamos fazer uma brincadeira: pegamos a criatividade do Messi, o lúdico, juntamos o um contra um do Neymar e misturamos com a verticalidade e os gols do Cristiano Ronaldo. Acrescenta, se possível, um pouquinho de Griezmann. Não seria humano [risos]."
Há um jogador completo?
"Prefiro usar outro termo: plenitude técnica, mental e física. Messi e Cristiano Ronaldo estão na plenitude. Tomara que cresçam mais, mas, para mim, não vão crescer mais. Já o Neymar é diferente, está no processo de evolução. Está surpreendendo cada vez mais, agora com capacidade de assistência."
Neymar tem chance de ser o melhor do mundo mesmo na "sombra" de Messi no Barcelona?
"Questão de tempo. O declínio dos outros é inevitável, é psiológico. Não adianta fugir. Podemos encontrar formas de amenizar, mas não de travar. Reajustes também são importantes. O Cristiano Ronaldo, por exemplo, hoje volta menos, volta até a metade do campo."
Como foi a saída do Corinthians para assumir a seleção brasileira? Chegou a ser procurado antes pelo Porto...
"Tínhamos estabelecido um plano no Corinthians, mas aí surgiu a seleção brasileira. Fui vaidoso, orgulhoso, sei lá, e interrompi o projeto no Corinthians para realizar um sonho pessoal."
O que você mudou na seleção brasileira?
"Eu me abro, me exponnho, não tenho medo de falar o que penso e o que quero. Elogio e critico no mesmo tom. No intervalo de um jogo, ainda nesse período de adaptação, passei a minha verdade aos jogadores. Isso é fundamental. Disse: "Vocês estão acostumados com os seus treinadores falando a verdade?" Eles olharam, ficaram ressabiados, incrédulos... Insisti: "Os seus treinadores dizem a verdade?". Continuaram quietos. Aí gritei: "Então eu vou falar! A equipa jogando para c...! Está a jogar muito! É um 3 a 0 na Bolívia, que não teve nem sequer uma chance. Isso é reconhecimento!" Olharam para mim e pensaram: "Esse cara se expõe, é verdadeiro. Se elogia assim, critica assim também". Já dentro de campo, procuramos informações com os clubes e os treinadores, as análises aprofundadas. Uma coisa é enxergar futebol, outra é analisar futebol. Os vídeos, os jogos, as posições, as funções... O jogador sabe que comigo jogará numa posição que gosta, que conhece e está acostumado."
Como lidar com jogadores que não gostam de ouvir a verdade?
"O lado didático é desafiador. Às vezes sou incisivo, às vezes sou brando e paternal. Nunca tinha trabalhado com Philippe Coutinho e Roberto Firmino. Conversei com o Jurgen Klopp, discutimos posições e funções. Depois, perguntei como fazer para acelerar o processo. Explicou: "O Coutinho é um menino fácil, é tranquilo, voz baixa. Agora, com Firmino, pode ir dentro dele mesmo, porque ele é street boy [garoto de rua, em inglês]. Pode gritar, porque responderá."
Como é o contato com os treinadores dos clubes?
"Conversei com mais de 50 treinadores, e continuo conversando. Não tenho vergonha nenhuma de fazer isso. Preciso disso para potencializar as características dos meus jogadores."
Aceitaria uma eventual proposta de renovação da seleção dias antes da Copa do Mundo?
"Será mentirosa, pode esquecer [risos]. A renovação estará sempre presa aos resultados. Não gostaria que acontecesse [oferta de renovação antecipada], prefiro esperar o fim da Copa do Mundo, porque que aí sim, poderei analisar tudo da melhor maneira possível. Mas uma coisa posso adiantar: atingi o máximo em termos de posição profissional."
Impressionado com a evolução do Gabriel Jesus?
"É fácil falar agora, mas procure o que falei antes de ele chegar ao Manchester City. Vou repetir: a adaptação na Inglaterra será muito fácil. É educado, tem princípios, a mãe influenciou muito e, claro, o comportamento dentro de campo. É extremamente competitivo. O Felipe [zagueiro do Porto] tem muita velocidade, é extraordinário, mas ainda assim vi o Gabriel Jesus conseguir ganhar dele em alguns momentos [Corinthians x Palmeiras]. Pensei: "Que jogador é esse?". Está em processo de crescimento e de afirmação. Mas isso também é mérito da formação do Palmeiras, sejamos justos. Foi trabalhado para, aos 19 anos, chegar ao Manchester City do Guardiola. É o Guardiola colhendo os frutos dos treinadores brasileiros [risos]."
Como vê o crescimento do Neymar na seleção?
"Sem jogador de alto nível não há treinador que consiga atingir a excelência do trabalho. O Neymar está num processo cada vez maior de crescimento no Barcelona. No Santos, por exemplo, vi ele abrir mão do gol para forçar falta. Agora, ele vai para dentro do gol, é um jogador vertical. Desenvolveu uma capacidade de assistência muito grande, antes era apenas na base do um contra um. Hoje, ele é um grande assistente, a qualidade de passe dele me surpreendeu na seleção. É impressionante!"
Como foi a conversa com o Ganso em Sevilha?
"O que falei para o Ganso? Disse logo no começo do papo: 'Você é o jogador que me obrigava a dar uma orientação especial para o Ralf nos jogos contra o Santos e, posteriormente, o São Paulo'. É um meia que não pode ter espaço para jogar, é muito criativo. A capacidade de assistência dele é impressionante. Ele está com uma filha de menos de 30 dias agora, está num processo de adaptação, que também é um processo familiar. O Daniel Alves, por exemplo, demorou um ano e meio para desenvolver o futebol dele no Sevilla. É questão de tempo. O Ganso deu um passo desafiador na carreira, precisava jogar em um grande centro. Está sendo desafiado a um processo novo, dentro de um futebol altamente competitivo. Repito: é questão de tempo. E vale dizer também que o Sampaoli tem dois jogadores do mesmo setor que jogam demais. O N’Zonzi joga demais! O Nasri, sinceramente... Não sei como saiu do Manchester City, joga muito também."
Por que Elias deu errado no Sporting?
"Não sei. Queria mesmo é que ele tivesse permanecido no Corinthians jogando em alto nível, porque hoje estaria na seleção. Agora, no Atlético-MG, tem essa possibilidade."
Prefere a beleza do Sampaoli ou a eficiência do Simeone?
"Juntava os dois."
Qual seria o resultado da fusão de Sampaoli e Simeone?
"Ancelotti. É os dois juntos. Tem como ideia de futebol uma linha de quatro mais fixa, marcadora, conservadora, competitiva e organizada que une o lúdico, o criativo, o gol e a verticalidade do meio-campo para frente."
O Ancelotti é melhor treinador do que o Guardiola?
"O Guardiola, do meio-campo para frente, é extremamente criativo, faz os laterais apoiarem com amplitude e cria superioridade numérica. Temos a mesma ideia de futebol: o meio-campo é a essência da equipe. O Ancelotti, por sua vez, consegue reunir a parte defensiva italiana com a parte criativa. Fez isso no Real Madrid, com uma linha de quatro que sofria poucos gols e, do meio-campo para frente, tinha Modric, Kroos, Isco, Bale, Ronaldo e Benzema. Do meio para frente sem um marcador de origem."