É algo comum no futebol mundial: cada clássico recebe um nome específico, como se quando um time A enfrenta a equipe B algo único estivesse acontecendo. E de fato é assim. El Clásico, North West Derby, Old Firm, Derby della Madonnina, Gre-Nal, Clássico dos Milhões, Fla-Flu... mas talvez poucos tenham um nome tão forte quanto o atribuído ao duelo entre Flamengo e Botafogo: “Clássico da Rivalidade”.
Só que após o duro empate sem gols, no jogo de ida válido pelas semifinais da Copa do Brasil, a rivalidade foi ultrapassada e tornou-se crime: seja na violência ao redor do Estádio Nilton Santos ou naquela que mais repercutiu: as injúrias raciais que um elemento com a camisa alvinegra, chamado André Luis Moreira dos Santos, proferiu em direção à família do meia-atacante Vinícius Júnior, do Flamengo.
Podemos imaginar que o autor do crime racial tenha por várias vezes gritado o nome de Jefferson, um negro que talvez seja o grande ídolo de seu clube na década; ou se orgulhe da herança de Garrincha, Paulo César Caju, Sebastião Leônidas, Maurício, Donizete, Seedorf e outros. Mas o que leva um ser-humano a, em pleno 2017, usar a cor da pele como motivo de ódio?
Em contato com a 'Goal Brasil', o sociólogo Maurício Murad, professor na Faculdade Universo e maior referência nacional no estudo da violência de torcedores no futebol, falou sobre o assunto e levantou a verdade que muitos, talvez, tenham medo de falar. A triste realidade de que o Brasil ainda é um país racista.
“O Brasil é um país muito violento e um país muito racista”, disse. “Nas multidões, e o futebol é um evento de multidão, a possibilidade de ultrapassar limites e cometer exageros é muito grande. Porque a multidão é tocada pela paixão, pelo anonimato. As pessoas acham que estão escondidas, e que ninguém vai reconhece-los”.
“Isso mostra o excesso, o exagero, que a multidão acaba provocando nas pessoas. E como isso está entranhado nas camadas mais profundas da nossa formação social e coletividade, isso tende a aparecer”, observou o sociólogo, que apesar desta triste realidade consegue ver pequenos focos de avanço – como o fato de torcedores do Botafogo, e o próprio clube, terem ajudado a identificar e levar o criminoso às autoridades.
“Isso aí já é uma prova de que as campanhas que todos fazem, e a própria aplicação da lei, tentando punir, faz com que estejamos criando uma cultura e uma massa crítica, partindo das próprias torcidas para denunciar o infrator. Isso é importantíssimo. Essa cultura começa a ser mudada de baixo pra cima, e nenhuma mudança se efetiva de modo profundo se não for assim, se não pegar a base das pessoas. Isso foi muito importante”.
Conforme já escreveu em livros publicados, como “A Violência no Futebol”, a solução na opinião de Murad é o triângulo composto por: punição, prevenção e reeducação: “A grande punição é no indivíduo, no infrator. A lei também permite que você faça uma punição por responsabilidade solidária, quando uma massa de torcedor grita e quando o clube não faz nada. Agora, quando o clube se antecipa, emite uma nota, estimula os torcedores a denunciarem os infratores... aí eu acho que é um atenuante para o clube. E as imagens estão aí. O código penal brasileiro é muito claro: a punição do crime deve cair, principalmente, sobre o criminoso”.
“O futebol não vai resolver os problemas de limite da sociedade brasileira, mas pelo impacto simbólico que o futebol tem na cultura coletiva brasileira, uma punição exemplar no futebol tende a ajudar uma necessidade que temos de punir mais os crimes e transgressões. Mas não é só punir, é prevenir. E reeducar. Punir, prevenir e reeducar: esse é o triângulo fundamental”.
E assim como acontece com todos os casos de injúrias raciais vistos nos quatro cantos do mundo e, mais especificamente, no Brasil, seguimos torcendo para que seja a última vez.
Texto por Tauan Ambrosio