Quando um estudante de ensino médio resolve estudar medicina, ele sabe que vai enfrentar uma enorme concorrência. Sabe, ou deveria saber, que vai perder muitas noites de sono durante a faculdade, e depois de formado, outras tantas noites mal dormidas em plantões ou urgências.
Quando um menino de 13 ou, no máximo, 14 anos resolve ser jogador de futebol, com o apoio dos seus pais, ele fatalmente vai deixar de aproveitar a adolescência, uma época de descobrimentos de prazeres e perigos. Seus treinos serão exaustivos, e se tudo der certo, a recompensa financeira poderá vir.
Na maior parte das vezes, as decisões são tomadas por paixão pela profissão. Um desejo em se trabalhar com aquilo que ama. Muitas pessoas demoram pra saber o que querem. Outras nunca descobrem.
Mas em cada ofício, existem suas durezas e molezas. Como diria o ditado, “todo trabalho tem a carne e também o osso”.
Jornalismo é uma escolha, é difícil imaginar alguém que exerce essa profissão por falta de opção ou porque não deu certo em outra coisa. No jornalismo esportivo, talvez seja um ex-jogador frustrado, no bom sentido, de quem não conseguiu chegar ao mais alto nível do esporte, embora até tivesse técnica pra isso.
De qualquer forma, um profissional de qualquer área sabe, ou deveria saber, quem são seus clientes, entender como funciona o mercado a cada ano que desempenha sua profissão. No caso do jornalismo esportivo, descartar os torcedores, seria um tiro no pé.
Torcedores não são profissionais. Não trabalham com isso. Isso é um lazer É como quem vai ver um filme, não precisa ser um cinéfilo pra assistir cinema. E se um espectador de cinema ler uma crítica especializada, elogiando um filme que ele tenha odiado, possivelmente esse mesmo cara vai odiar não somente o que ele leu, mas também quem escreveu, e até chamar de burro.
Voltando ao jornalismo esportivo, e ficando nesta disciplina de vez. Existem diferentes linhas editoriais, diferentes coberturas, diversas formas de abordagem. O jornalista sabe que ao emitir uma opinião, fatalmente ela será lida, ouvida ou vista por um torcedor do outro lado.
O consumo de futebol se dá pela paixão. Exigir que um apaixonado veja os defeitos do seu amor é querer encontrar racionalidade na emoção. E não é papel do jornalista tratar problemas psicológicos de pessoas que foram traídas pela pessoa amada. Mas também não pode querer que a pessoa entenda que “você sempre avisou que isso ia acontecer”.
As redes sociais trouxeram uma complexidade à comunicação ainda maior do que já havia. O leitor pode gritar, xingar, ofender em 280 caracteres “livremente”. Antes tinha que ligar, ser atendido, esperar e muitas vezes não conseguir falar, ou enviar uma carta pra redação do veículo que aquele jornalista trabalhava. Era um ambiente mais blindado.
Neste contexto, as coisas também melhoraram. Jornalistas antes tinham leitores ou uma audiência que o acompanhava onde fosse. Passaram a ter seguidores, isso dá uma visibilidade instantânea e abre uma comunicação direta.
Acontece que muitos de seguidores são, na verdade, perseguidores. Acontece, na política, seguidores de Bolsonaro nada mais são do que perseguidores de petistas ou daquilo que eles chamam esquerda no geral. Já os esquerdistas são perseguidores de personagens como Bolsonaro, por exemplo. O resultado é uma propaganda gratuita 24h. Um elege o outro sem saber.
Tem gente que cresceu na comunicação quando entendeu que elogiar era o segredo pra conseguir mais e mais seguidores, e escolher um inimigo em comum, no caso a Argentina.
Se não quer sofrer críticas públicas, busque uma profissão que não lide publicamente com interesses de muita gente. Ou se você quer se comunicar com especialistas de futebol, crie seu grupo no Whatsapp, seu site com conteúdo fechado, saiba que muito pouca gente se propõe a consumir futebol assim.
Torcedor de time grande, inclusive, se colocam sempre na posição de perseguidos pela imprensa, como disse Leandro Iamin no Twitter. A imprensa pode fazer um trabalho ruim, mas se faz ruim, o faz pra todos. E essa é outra discussão.