“Você não alcança a glória por um caminho de rosas”. A frase icônica é atribuída ao treinador Osvaldo Zubeldía, que levou o Estudiantes, da Argentina, a um até então inédito tricampeonato consecutivo da Libertadores entre 1968 e 1970.
A equipe de La Plata tinha grandes jogadores, como o Verón pai. Mas entrou para a história por ter iniciado a tendência de ‘vencer a qualquer custo’ no futebol sul-americano. Os próprios atletas reconheceram que a equipe buscava descobrir tudo o que fosse possível sobre os adversários: de sua qualidade técnica até mesmo às fraquezas psicológicas individuais.
Desta forma, além das fragilidades táticas os alvirrubros minavam o psicológico dos adversários relembrando traumas pesados de suas vidas, levando-os ao limite para causar uma expulsão ou deixa-los perturbados de tal maneira que jogar bola ficava mais difícil.
Quando isso não dava certo, ainda existia o mito de que o meio-campista Carlos Bilardo [outro que acredita que no futebol os fins justificam os meios, campeão mundial como treinador da Argentina em 1986] entrava em campo com alfinetes escondidos, e os usava para machucar e irritar adversários.
Osvaldo Zubeldía, treinador histórico do Estudiantes (Foto: Divulgação/EstudiantesLP)
Junte a toda essa cretinice estratégica o fato de que o time era realmente bom e bem treinado, inclusive com um forte modelo de marcação sobre pressão aos adversários, no final da década de 60, e imagine a força daquele Estudiantes na hora de conseguir os seus resultados.
A frase que abre esse texto, atribuída a Zubeldía, está no museu do Manchester United. Na decisão mundial de 1968, os ingleses ficaram estupefatos com a violência do adversário [nos jogos de ida e volta, Bobby Charlton e Denis Law tiveram que levar pontos graças a cortes, e os Red Devils tiveram jogadores expulsos, dentre eles o genial George Best, por terem caído na armadilha psicológica dos argentinos], que ficou com o título.
“A noite em que cuspiram no espírito esportivo”, foi a manchete do inglês Daily Mirror após aquela partida.
O drone do Grêmio que teria sobrevoado, sem o conhecimento dos adversários em 2017, os treinos secretos, descobrindo segredos que acreditavam-se estarem guardados a sete chaves, não foi uma canalhice que se compara às praticadas pelo time de Zubeldía. Tampouco às artimanhas políticas que teriam ajudado o Independiente a bater o Santos por 3 a 2, no caminho para o seu primeiro título continental em 1964.
Mas pode representar uma falta de ética em um time que, pelo talento que possui, talvez não precisasse disso para bater as equipes que estiveram em seu caminho.
O Grêmio, pelo que parece, teve acesso a informações que os seus adversários não faziam ideia: não ganhou exatamente por causa disso, mas é claro que ajudou. Muito. É como se um aluno prestes a fazer o ENEM, ou algum concurseiro, soubesse de antemão os assuntos que cairiam na prova: ele teria que estudar, mas sairia em vantagem aos outros.
Qual é o limite?
Antiético. Mas quando é aplicado ao futebol, levanta uma discussão importante e que vinha sendo ignorada. Em tempos de tecnologia avançada, a espionagem também avançaria. Normal. Mas o que fazer a esse respeito? Proibir ou se proteger, talvez levantando tendas [patrocinadas, muito provavelmente] sobre os campos de treinamentos, aumentando ainda mais a sensação de circo dentro do futebol? Talvez a solução esteja dentro dessa tragicomédia. A resolução para isso ainda é uma enorme dúvida.
O que não é dúvida, no entanto, é que este Grêmio que vai decidir, contra o Lanús, o título da Libertadores da América, mereceu chegar aonde chegou. Também não tira o fato de Renato Gaúcho ser, hoje, um dos melhores treinadores do país. Mas a postura no mínimo antiética em relação aos adversários coloca um pouquinho do tempero da frase atribuída a Zubeldía ao Tricolor dos Pampas. Se for campeão da Libertadores pela terceira vez em sua história, a glória não será pavimentada por um caminho de rosas.