Maicon deixou o São Paulo como "God of Zaga" (Deus da Zaga) e tão logo chegou ao Galatasaray já é chamado de "King" (Rei). Apelidos que não sobem à cabeça do zagueiro. Na verdade, às vezes até geram certo incômodo, principalmente quando a fantasia passa a assumir o papel da realidade para os torcedores.
O que é visto hoje dentro de campo, por outro lado, não dá margem para ficção. Líder do Campeonato Turco, o time do ex-capitão do São Paulo também é o dono da melhor defesa. Uma defesa, aliás, que também ataca. "Pressionado" pela esposa para atingir dez gols na temporada, o brasileiro já balançou a rede em quatro oportunidades.
Mesmo enquanto vibra com o início promissor na Turquia, o defensor de 29 anos não esquece o passado recente. Os altos e baixos com a camisa do Tricolor estão mais vivos do que nunca na memória. Foi embora com a certeza de "trabalho bem feito", mas, ao mesmo tempo, lamentando a forma como parte da torcida encarou os momentos de crise. Nada, no entanto, que tenha afetado o carinho pelo clube que sempre teve a certeza de que não seria rebaixado no Campeonato Brasileiro.
Surpreso com o início tão positivo no Galatasaray?
Sempre trabalhei para ter bons números. Coletivamente e individualmente tem sido muito bom para mim. Temos trabalhado muito forte, com uma mentalidade vencedora. O começo, na verdade, não foi tão bom como gostaríamos, porque acabamos eliminados da Liga Europa. Porém, não deixei isso me abalar e rapidamente dei a volta por cima. O momento atual me deixa muito feliz. Mas ainda é apenas o início da caminhada, e o importante agora é dar sequência no bom trabalho.
Como encara a questão dos números individuais? É algo que mexe contigo?
O meu principal objetivo é sempre ter a melhor defesa do campeonato. Penso assim desde sempre, em todas as competições que já participei. Sou zagueiro, jogo atrás, então preciso priorizar a defesa. Mas também posso ajudar o ataque, o que dá um gostinho saboroso ainda maior. Os gols têm saído, estou muito feliz por isso. Sabemos que a média de gols para um jogador da minha posição é pequena, geralmente quatro ou cinco por temporada, mas em três meses já atingi isso.
Qual o segredo para atingir o posto de zagueiro-artilheiro?
Tenho procurado mais a bola, prestado mais atenção no tempo de bola... Mas o mérito não pode ser apenas meu. Temos o Belhanda, que é um jogador [camisa 10] que tem uma cobrança de bola parada que facilita muito para mim.
Já pagou quantos almoços para o Belhanda como forma de agradecimento?
Não, nada disso... Só vou pensar nisso quando atingir o décimo gol [risos]. A minha esposa tem pedido para que eu faça dez gols nesta temporada. Olha, no começo não acreditava que fosse possível, mas agora estou esperançoso [risos]. Vou trabalhar para isso. Mas, volto a dizer, o meu principal objetivo é estar bem defensivamente e, claro, ser campeão. Não vai valer de nada marcar cinco ou seis gols e o time não alcançar o título.
Mas o Belhanda não brinca e cobra nada em troca?
O Belhanda é um cara muito sério. Só peço mesmo para que coloque a bola na zona onde estou posicionado. Felizmente, ele tem colocado a bola sempre no mesmo lugar.
O Galatasaray investiu pesado nesta temporada. Sente uma cobrança maior por conta disso?
Nos meus três últimos clubes [Porto, São Paulo e Galatasaray], todos com grande expressão mundial, a cobrança sempre foi muito grande. O investimento aqui foi pesado mesmo, contratamos jogadores de altíssimo nível... Então, logicamente, tudo isso é para o Galatasaray ser campeão. Vamos trabalhar para ganhar o título, é o nosso pensamento. O Galatasaray, pela grandeza e pela torcida fanática que tem, não pode se contentar com o segundo lugar. Espero festejar o título nacional nesta temporada.
E em relação aos torcedores? A pressão é ainda maior?
O torcedor turco é mais apaixonado, digo isso em termos de amor pelo clube. São mais "loucos". Mas a cobrança é a mesma dos outros clubes [Porto e São Paulo], vejo tudo muito parecido. A diferença é que na Turquia a torcida é mais fanática. Isso, na verdade, nos dá ainda mais motivação. Costumo falar que todo e qualquer jogo do Galatasaray é como se fosse uma partida do São Paulo na Libertadores. É uma sensação espetacular, coisa de outro mundo.
Você deixou o Brasil como "God of Zaga" e, pelo menos nas redes sociais, já é chamado de "King" pelos turcos. Como lida com tantos apelidos positivos?
Não é que eu não queira ou não goste dos apelidos... Fico contente com o carinho do torcedor, é bacana, mas quando você tem certos tipos de apelidos, a cobrança acaba sendo um pouco maior e exagerada. As pessoas podem mesmo te ver como um deus, mas sou humano, um humano que acerta e também erra. É preciso sempre ter os pés no chão e a cabeça no lugar. Fico muito feliz com os apelidos, é sinal que tenho feito um bom trabalho. Infelizmente, não consegui títulos no São Paulo. Acontece, é do futebol. Espero reencontrar o caminho dos títulos no Galatasaray e fazer valer a pena todos os apelidos que tenho recebido.
Não gostava do "God of Zaga" no São Paulo?
Não é bem assim, até porque eu gosto do apelido. Mas é preciso saber diferenciar. Tem gente que te chama de Deus e acha que realmente que você é um deus. A cobrança precisa ser igual para todos, de forma justa e honesta. Não existe um jogador que ganha sozinho e nem que perde sozinho.
"God of Zaga" ou "King", qual prefere?
[Risos] O mais importante é que gostem do meu futebol, do meu trabalho.
Assim como no Galatasaray, você teve um grande arranque no São Paulo. Por que acha que começa uma trajetória tão bem?
Mas é sempre preciso dar continuidade de forma coletiva. Não adianta ter um grande começo e também um grande final individual, porque não trabalho sozinho. Ninguém joga sozinho. Imagina que no fim do ano o Galatasaray vende três ou quatro jogadores, certo? Então a equipe acaba desmoronando e o culpado é o Maicon, o Fernando, o fulano... O futebol não é assim. Comecei muito bem no São Paulo, estava num ótimo momento, e o clube também tinha um elenco muito forte. Repito: não trabalho sozinho, não jogo sozinho. O time acabou caindo de rendimento um pouco. A queda não foi apenas minha, foi de toda a equipe. Eu saí do São Paulo, e infelizmente não era o que queria, mas a fase do time ainda não é tão boa, só agora que começou a dar uma melhorada. Torço muito pelo São Paulo, assisto praticamente todos os jogos e ainda troco mensagens com os garotos.
Que tipo de equilíbrio faltou para você e o São Paulo terem mantido a boa fase?
Todos são responsáveis [pela queda de rendimento]. A partir do momento que os resultados são ruins, ninguém pode ser isento de culpa. Se pararmos para analisar, não teve um jogador que não tenha caído de rendimento. Todos caíram, é normal. Eu, Maicon, caí de rendimento. Mas, é bom dizer, nunca estive morto. Fui embora do São Paulo com a consciência de ter feito um bom trabalho.
Acredita que a torcida são-paulina tenha pegado no seu pé de forma mais exagerada?
É como eu falei antes, não pode existir apenas um culpado. No ano passado, quando a equipe mais precisou, a defesa esteve bem. A nossa defesa acabou entre as cinco melhores do Campeonato Brasileiro. O time fez poucos gols, mas o rendimento defensivo foi muito bom. Já neste ano, o time começou com um sistema ofensivo muito eficiente e um sistema defensivo não tão forte. Logo, sofremos muitos gols. Claro que a cobrança precisa existir, eu era o capitão do time e um dos líderes do grupo. A cobrança sempre atinge quem está por cima. Não sei se [as cobranças] foram justas ou injustas, mas não poderia ter sido apenas em cima de mim. No fim, acho que foi para todos. Sempre procurei dar o meu melhor. Não sou perfeito, erro como todo mundo, mas, repito, deixei o São Paulo satisfeito com o bom trabalho.
Quem fala mais geralmente "apanha" mais... Sente que a personalidade forte te atrapalhou?
Normal. Sou um jogador que fala umas verdades, mas não sou polêmico. Tive, sim, equívocos em algumas entrevistas, mas voltava atrás e justificava os erros. É preciso ter a cabeça muito fria e limpa para se posicionar. Mas esse é o meu jeito, não adianta querer mudar agora a minha forma de pensar e trabalhar. Quando precisar falar, eu vou falar. Quando precisar ficar calado, eu vou ficar calado. Sou honesto e sincero.
Se tivesse a oportunidade de mudar algo na passagem pelo São Paulo, o que seria?
Não mudaria nada. Fiz um trabalho sério e digno, nunca faltei com respeito. Errar todo mundo erra. Errei no São Paulo, errei no Porto e posso errar aqui no Galatasaray também. Se o trabalho é honesto, não há motivo para arrependimentos. Dei o meu melhor dentro do São Paulo, não me arrependo de nada.
Acha que poderia atingir o posto de ídolo se tivesse permanecido no São Paulo?
Eu poderia ficar mais dez anos no São Paulo, fazendo um bom trabalho, mas precisaria ganhar um título. Não existe ídolo sem título. Não existe jogador que fica dez ou quinze anos num clube e vira ídolo sem ganhar nada. O Hernanes, por exemplo, ganhou títulos no passado, foi importante, e agora voltou. O mesmo serve para o Lugano. Eles não se tornaram ídolos apenas pelo bom futebol, atingiram a idolatria porque foram campeões.
Usou anteriormente o termo "infelizmente" para falar da saída do São Paulo. Não queria ter saído?
Não é bem assim, não posso dizer que não quis sair também. Eu, se não quisesse sair, não teria saído. Tinha contrato, não tinha obrigação de deixar o clube. A minha saída aconteceu com um entendimento das duas partes, então não adianta falar que apenas o São Paulo quis. Foi uma decisão em conjunto. Aconteceu o que tinha de acontecer, não me arrependo. Só me arrependo daquilo que não fiz. Estou satisfeito com a minha escolha, e o São Paulo também. O Galatasaray apostou no meu potencial e, graças a Deus, sinto que estão gostando do que tenho apresentado.
O São Paulo não cai mais?
Se não estiver enganado, o São Paulo é um dos melhores times do segundo turno do Campeonato Brasileiro. Falar agora é fácil, mas sempre tive a certeza de que o São Paulo não seria rebaixado. O São Paulo tem um elenco muito forte, mas acho que faltou um pouco de sorte também. Às vezes não é só qualidade, às vezes é preciso contar com um pouco de sorte. O São Paulo é um clube que vai estar sempre no meu coração. Fico feliz que tenham saído da situação ruim que estavam.
Onde pretende encerrar a carreira? Porto? São Paulo?
[Pausa] Olha, não consigo fazer esse tipo de escolha... São dois clubes que gostaria muito de representar novamente. Mas agora o meu foco é no Galatasaray e, quem sabe, encerrar a carreira no próprio Galatasaray. Tem ainda o Cruzeiro, onde fiz a minha formação, é um clube que guardo muito carinho. Tenho admiração por todos.