Jogador com mais gols no futebol brasileiro em 2017, com 32, e também artilheiro do Brasileirão ao lado de Jô, com 18, Henrique Dourado viveu uma temporada especial individualmente. A boa fase atravessou Oceano Atlântico e chamou atenção da imprensa de Portugal. Em entrevista ao jornal português 'O Jogo', o atacante do Fluminense, que recentemente defendeu o Vitória de Guimarães, detalhou o conturbado ambiente do clube carioca nos últimos meses, explicou os planos para o futuro próximo e relembrou a rápida passagem pelo futebol do Velho Continente, onde viu a esposa perder um bebê no quarto mês de gradivez.
Termina o ano como o grande nome do Fluminense, mas o começo de trajetória no clube não foi fácil...
O meu início foi muito difícil, principalmente por ter chegado para substituir um ídolo indiscutível [Fred, negociado com o Atlético Mineiro] e que deixou aqui um legado de títulos. A expectativa em cima de mim sempre foi muito grande. Quando as coisas não dão certo, as críticas surgem, e muitas delas são exageradas. Mas sempre tive os pés no chão e a consciência tranquila. Hoje colho os frutos daquilo que plantei lá trás, o reconhecimento dos torcedores é maravilhoso. Fiz por merecer.
Muitos torcedores dizem que você foi o "salvador" da equipe contra o rebaixamento. Concorda?
Não é bem assim, não é certo dizer que eu salvei o Fluminense. O futebol é um esporte coletivo. A contribuição foi de todos. Sei que os meus gols foram importantes, mas não posso ficar com todo o mérito, ele precisa ser dividido com jogadores e comissão técnica.
O ano do Fluminense foi um caos, com salários atrasados e problemas internos. Como lidou com os obstáculos?
Foi preciso superar muitas barreiras neste ano tão complicado, fizemos de tudo para não deixar que as situações externas atrapalhassem o nosso rendimento. Acho que conseguimos deixar tudo isso de lado, principalmente os jogadores mais experientes, como eu. Entro em campo sem pensar nos problemas e faço o trabalho da melhor maneira possível. Com muito foco e superação, conseguimos superar os obstáculos. Além disso, temos um treinador [Abel Braga] que sabe a hora de puxar a orelha e a hora de fazer um carinho. O equilíbrio dele também foi fundamental para darmos a volta por cima.
A morte do filho do Abel Braga certamente também foi um dos piores momentos dentro do clube...
É duro quando o processo natural da vida não é cumprido, neste caso um pai enterrar um filho. A perda do Abel fez com que todos tivessem uma doação ainda maior. Corremos por ele, que, mesmo diante de tanta dor, voltou a trabalhar em menos de três dias. Foi uma lição de vida muito bonita para todos.
Depois de rodar por diversos clubes do Brasil, podemos dizer está em casa no Fluminense?
Estou muito feliz no Fluminense e com o meu momento na carreira. A minha família também está contente e adaptada ao Rio de Janeiro. Tenho contrato válido até 2020, então é continuar o trabalho forte e ver o que o futuro reserva para mim.
Qual é o melhor jogador do Brasileirão?
Olha... Com muita modéstia, eu me escolho [risos]. Me coloco como destaque porque, tendo em vista tudo o que passei e por ser o artilheiro do campeonato, é merecedor.
Ser modesto é fundamental, mas também é importante valorizar o próprio trabalho...
[Risos] Com certeza. É a primeira vez que faço um autoelogio tão grande.
Tendo em vista a boa fase, sonha com uma chance na seleção brasileira?
É um dos meus sonhos, e sonhar alto não custa nada. Mas sei que tudo acontece de forma natural e penso que o mais importante é, acima de tudo, fazer um bom trabalho dentro do meu clube e jogar em alto nível. Certamente tudo isso atrai a atenção do Tite. Quem sabe mais para frente possa surgir uma oportunidade. Sempre sonhei grande.
Qual a receita para o pênalti perfeito? Só perdeu um na carreira até agora...
[Risos] Não posso revelar a receita, né? Não posso entregar o ouro. Treino muito, muito mesmo, principalmente nas vésperas dos jogos. Cobro cerca de dez penáltis por dia. Aprimorei a técnica durante os anos e, mesmo com os goleiros estudando cada cez mais as cobranças, continuo com um grande desempenho. Exige muito treino para cobrar como eu cobro. Na verdade, não tem receita. É o trabalho forte do dia a dia.
Não existe a receita, mas, se existisse, colocaria à venda por quanto?
[Risos] Olha, acho que não cobrava muito caro, até porque é preciso acima de tudo ter a técnica. Não colocaria um preço muito alto.
Incomoda quando alguns dizem que você só é artilheiro por causa dos gols de pênalti?
Incomodar? Não incomoda, até porque para quem vive no meio do futebol, quem conhece de bola, sabe que um penálti bem batido é uma qualidade. É preciso ter muita técnica, frieza e tranquilidade na hora do pênalti. Nem todos têm isso, muitos às vezes nem têm coragem para tal. O gol de pênalti tem o mesmo valor de um gol normal.
Outra característica marcante é a entrega dentro de campo. O que acontece?
Quando estou no campo acabo por ignorar tudo o que está no meu redor, piso no gramado pensando apenas na vitória. Vivo cada segundo da partida e brigo por todas as bolas. Sou assim desde sempre, não é algo forçado. É da minha personalidade.
Pronto para ser alvo de sondagens de clubes da Europa em janeiro?
Deixo o meu futuro nas mãos do Fluminense e do meu agente. Quero pegar a minha família e curtir um bom descanso. Preciso dar uma desligada do futebol, porque o ano foi bravo [risos]. Não só eu, mas outros jogadores também devem receber propostas. Cabe ao clube decidir o melhor.
Voltar para o futebol português é um objetivo?
A meta, na verdade, é voltar à Europa. Ainda tenho esta ambição, quem sabe um dia possa retornar. Mas é bom deixar claro que tenho contrato com o Fluminense.
Qual foi o momento mais marcante em Portugal?
Na véspera do clássico contra o Braga [21 de fevereiro de 2016], a minha esposa, que estava no quarto mês de gravidez, teve algumas complicações. Descobriu então que havia perdido o bebê. Eu estava na concentração e fiquei muito abalado com a notícia. Tínhamos um jogo muito difícil, então não comentei com ninguém. Expor o meu problema poderia tirar todo o foco do time. Guardei para mim, joguei e fiz um gol no empate em 3 a 3.
Como conseguiu entrar em campo poucas horas depois de saber que havia perdido um filho?
Até hoje não sei como encontrei forças para jogar. A minha esposa me deu muita força. É Deus que dá, é Deus que tira. Foi com este pensamento que participei do jogo e ajudei a equipe. Só depois da partida é que os meus companheiros souberam da situação. O Sérgio Conceição [treinador] também se colocou à disposição para ajudar e demonstrou muito carinho.