Em 2014, um brasileiro já estava de olho no Mundial seguinte. Mas a possibilidade não era em defender o seu país natal, e sim a equipe que vai jogar a Copa dentro de casa. Wanderson é um dos muitos exemplos de jogadores humildes que, embora desconhecidos no Brasil, fizeram sucesso por onde passaram no futebol europeu.
A possibilidade de defender a Seleção Russa foi ventilada quando o cearense teve a sua temporada mais prolífica anotando gols pelo incipiente Krasnodar, clube fundado em 2008: foram 9 tentos na primeira divisão russa. Dentre os brasileiros que disputavam o certame à época, apenas Hulk, pelo Zenit, balançara mais as redes [17 gols].
Wanderson não escondia o sonho de defender a Rússia, mas também não se abalou pelo flerte ainda não ter dado em namoro – como nos casos do lateral Mário Fernandes e do goleiro Guilherme. “Nunca chegou nada formal a mim”, disse em longa conversa por telefone. Além do pouco tempo restante até o início da Copa do Mundo, Wanderson acredita que após a saída do italiano Fábio Capello, em 2015, as suas chances diminuíram.
Pelo Krasnodar, Wanderson fez história
“Agora está mais perto da Copa e fica mais difícil. Há uns anos era mais fácil, mas agora com treinador russo [Stanislav Cherchesov] também dificulta”, confidenciou. E se não recebeu a oportunidade de dar um grande salto para a seleção, Wanderson teve o seu talento reconhecido por um dos maiores clubes do país. Após seis temporadas no Krasnodar, o cearense foi contratado pelo tradicional Dynamo de Moscou e já deixou a sua marca, uma vez, em quatro partidas disputadas no certame nacional – onde a equipe que ajudou a imortalizar o goleiro Lev Yashin faz um início irregular.
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Já são sete temporadas na ex-república soviética, o que faz de Wanderson um dos melhores nomes para se entender um pouco mais sobre o país que vai receber a 21ª edição do maior torneio do futebol. Elogios a Sochi, local preferido por Tite para ser a casa do Brasil na Copa, histórias de preconceitos raciais e o descrédito dos russos com a própria seleção foram alguns dos assuntos abordados.
Sané, do Liverpool, foi alvo de parte da torcida do Spartak
“No verão, em Sochi, é como no Brasil. É muito quente, de verdade. Chega a uns 30 e poucos graus. Em Moscou o verão é um pouco mais tranquilo. O bom é que a Copa vai ser em junho, julho... a temperatura vai estar boa”, disse o jogador do Dynamo, que teceu comentários sobre o descrédito dos russos em relação à própria equipe nacional.
“Eles não têm muita confiança na seleção deles. Só se pegar um grupo fraco, entendeu? Na Eurocopa já não foram bem, nem nas Confederações... eles acham que o time tem que melhorar muito. A melhor geração deles já passou”, avaliou.
Guilherme também foi alvo de injpurias raciais na Rússia
O desempenho da Rússia nos campos é decepcionante [eliminada na primeira fase da Euro 2016 e Copa das Confederações], mas piora quando o assunto é o extracampo. Motivo? O racismo que transparece nas arquibancadas. Em julho, por exemplo, o goleiro Guilherme, brasileiro que defende o selecionado russo, foi chamado de “macaco” pelos torcedores do Spartak. Embora nunca tenha sido vítima de injúrias raciais, Wanderson reconhece o problema.
“Nunca aconteceu comigo, mas já vi isso acontecer. Inclusive com o Guilherme, que defende a seleção. Também teve em jogo do Liverpool aqui, contra o Spartak. A torcida deles é bem racista. Isso é complicado, né? A Copa do Mundo vai ser aqui e tem esse comportamento. Mas comigo não aconteceu não”.
Entretanto, o brasileiro acredita que tal comportamento não será visto nas arquibancadas durante o Mundial: “Muitas pessoas aqui já falaram aqui sobre esse assunto. Creio que eles estejam com um respeito maior sobre isso”.
Frio europeu, possibilidade de defender outra seleção e grandes feitos por um clube modesto. Não foi apenas na Rússia que Wanderson viveu esse roteiro. Após ser descoberto por um olheiro sueco, durante participação na Copa São Paulo com o Fortaleza, o cearense se encheu de coragem e aceitou o desafio de jogar na Escandinávia. Lá, ajudou o GAIS a se manter na elite e ganhou destaque como um dos melhores jogadores da Suécia.
“Quem quer vencer tem que passar por obstáculos, não pode, no primeiro, desistir (...) Foi um pouco difícil, mas nunca pensei em desistir. Quando cheguei lá, coloquei na cabeça que tinha que ficar. Se eu voltasse pro Brasil, sabia que não iria jogar”.
Em sua primeira temporada, ajudou o time a escapar do rebaixamento; no ano seguinte, foi vice-artilheiro do campeonato nacional e caiu nas graças dos torcedores. A grande curiosidade desse período importante em sua carreira foi a participação em um abaixo assinado, em 2009, para fazer Ibrahimovic [na época jogador do Barcelona] reconsiderar a decisão de não defender a Suécia em amistosos.
Em 2009, Ibra disse que não jogaria amistosos pela Suécia
“Ele disse que não ia jogar mais pela seleção [que havia ficado de fora do Mundial de 2010, e teria poucos jogos competitivos]. Então eu participei até de um abaixo-assinado, para ele voltar. Todos os jogadores da liga tinham que assinar”, relembra. E é exatamente no país de Ibrahimovic que Wanderson sonha em encerrar a carreira, apesar dos pedidos que recebe de amigos para retornar ao futebol brasileiro.
“Eu penso em encerrar a carreira na Suécia, onde eu comecei meu caminho aqui. Na Europa todo mundo te respeita. No Brasil, você é 'o cara' uma semana e muito rápido mudam de opinião, ameaçam família... graças a Deus foi lá que eu fiz meu nome”, conclui.